Miniaturas . Barro húmido, fumo de cigar-ros e vozes de trinta anos. Amor e gló o artista vai mostrando a sua obra, quásiconcluída. Uma virgem surpreendida, nuae casta : o seu sonho. O outro ouve-o, como-vido, enlouquecido do poder majestoso doescultor: «É linda, essa mulher!» E, presosambos da formidável influência do mármorescintilante e animado, ficam silenciosos diantedo bloco, uma lágrima nos olhos. «É imaginado de perfeição suma! Tensuma glória». Quando ia para sair, e só então,o intruso deu por um vulto, todo envoltonuma capa de veludo negro e que pareciaesperar. «E o mo


Miniaturas . Barro húmido, fumo de cigar-ros e vozes de trinta anos. Amor e gló o artista vai mostrando a sua obra, quásiconcluída. Uma virgem surpreendida, nuae casta : o seu sonho. O outro ouve-o, como-vido, enlouquecido do poder majestoso doescultor: «É linda, essa mulher!» E, presosambos da formidável influência do mármorescintilante e animado, ficam silenciosos diantedo bloco, uma lágrima nos olhos. «É imaginado de perfeição suma! Tensuma glória». Quando ia para sair, e só então,o intruso deu por um vulto, todo envoltonuma capa de veludo negro e que pareciaesperar. «E o modelo» elucidou o leve e o artista voltou ao tra-balho. «Vamos lá», disse para a divina ela, no orgulho resignado dos desprezos,ela, a beleza, a lindeza, a perfeição, a gene-rosidade, a virgindade, deixou cair o mantode veludo que a cobria e repetiu, nua, per-feita, humilhada, os olhos vincados no barrode que é feita toda a vida : <cVamos lá. .».. ELA, A MULHER 55 Metade da vida dum homem, o homema passa na preocupação constante da é o objectivo, o ideal, a obcecação, a fé,a suprema raiva. Por ela sofre e combate,e age, e é mau, e é bom, e é terrível, e setorna a criatura mais branda desta vida, esendo homem deixa de ser homem, perdea humanidade e se converte numa os anos, e os meses, e os dias dohomem, eles são, mais do que metade, damulher. A mulher, supremo culto, quer re-vista a forma duma religião onde as virgensse adoram, ou dum paganismo onde as vir-gens se poluem. Sempre a mulher! liasela —ai dos espíritos materialistas! pobresdeles — só vale e perdura na existência do ho-mem pelo aquecimento espiritual que trans-mite. Que seria deles, os materialistasa mulher w mais que objecto momen- tâneo duma posse! Que seria deles! Vive-riam a vida eféiv. ições e a suaexistência queimar-se-ia, como a mortalha depapel, no segundo voraz da chama do fósforo. 56 MINIATURAS # Se


Size: 1514px × 1650px
Photo credit: © The Reading Room / Alamy / Afripics
License: Licensed
Model Released: No

Keywords: ., bookcentury1900, bookdecade1920, bookidminiaturas00, bookyear1920